Raízes Históricas e a Luta por Direitos

 

A trajetória da mulher na sociedade é uma narrativa de evolução constante, marcada por momentos de subjugação e, de forma crescente, de reivindicação e protagonismo. O entendimento da sua posição atual exige uma retrospectiva dos marcos que desafiaram as estruturas patriarcais e forjaram a sua emancipação.

 

De Coadjuvante a Agente de Mudança: Um Panorama Histórico

 

Antes da Revolução Industrial, a sociedade via a mulher majoritariamente como um apêndice do homem, com seu papel limitado ao lar e à família. O engajamento no mercado de trabalho formal era desincentivado, sob a premissa de que a mulher não estaria apta a cumprir suas obrigações familiares. No entanto, a Revolução Industrial e, de forma mais acentuada, as Guerras Mundiais, serviram como catalisadores para uma mudança irreversível. A ausência dos homens, que se deslocavam para os campos de batalha, abriu uma lacuna na força de trabalho que foi preenchida massivamente pelas mulheres. Elas assumiram negócios da família e postos nas fábricas e no comércio, antes reservados exclusivamente aos homens.  

 

Essa inserção no mercado de trabalho formal não foi um processo de concessão, mas uma demonstração de sua competência e resiliência, desfazendo a noção de "sexo frágil". Tal momento representou um avanço significativo, pois, ao se desprenderem do lar para assumir postos de trabalho, elas conquistaram autonomia e liberdade. No entanto, essa nova realidade impôs um novo conjunto de responsabilidades e deveres, exigindo que as mulheres se equilibrassem entre seus diversos papéis em busca de realização pessoal e profissional. A história demonstra, portanto, que a conquista de cada direito, como o acesso ao trabalho e à liberdade, frequentemente resulta na criação de obrigações correspondentes, uma dualidade que continua a moldar a experiência feminina.  

 

 

 Marcos Legais e Sociais no Brasil: Uma Trajetória de Lutas

 

O Brasil, em sua própria jornada por direitos civis, registrou marcos essenciais para o avanço das mulheres. A fundação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) em 1910 foi um ponto de partida crucial, influenciando o movimento feminista e suas futuras vitórias. O primeiro grande triunfo político veio em 1932, com a conquista do direito ao voto feminino. Essa vitória foi o resultado de anos de "mobilização política e intensa luta das mulheres por maior participação na vida pública".  

 

Posteriormente, o Estatuto da Mulher Casada de 1962 representou um passo fundamental em direção à autonomia individual. Essa legislação desafiou as normas patriarcais da época ao permitir que as mulheres administrassem seus próprios bens sem a necessidade de autorização do marido. Mais tarde, a promulgação da Lei do Trabalho Doméstico em 2013 conferiu direitos trabalhistas a uma categoria profissional majoritariamente feminina, historicamente invisibilizada.  

 

A luta por segurança e dignidade, no entanto, demandou esforços adicionais. O caso de Maria da Penha Maia Fernandes é um exemplo emblemático dessa batalha. Após sobreviver a duas tentativas de assassinato por seu ex-marido e enfrentar a morosidade do sistema judiciário, sua luta incansável por justiça resultou na condenação do Estado brasileiro e, finalmente, na criação da Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Essa lei, uma das mais abrangentes do mundo no combate à violência doméstica e familiar, reflete a transição da busca feminina por direitos de igualdade abstratos para a garantia de direitos de segurança e vida. A existência de uma legislação específica para a violência de gênero demonstra que a igualdade formal não é suficiente para erradicar a desigualdade real e a persistência de um histórico de machismo. A trajetória legal das mulheres no Brasil não é um processo linear de concessões, mas sim uma série de avanços pontuais, fruto de uma "voz e ação coletiva" incansável.  

 

 

O Empoderamento Feminino: Conceitos e o Papel da Mulher Moderna

 

O empoderamento feminino é a força motriz por trás da ascensão da mulher moderna. Mais do que uma simples tendência, ele representa um movimento estrutural que busca corrigir as iniquidades históricas e fortalecer o papel social da mulher.

 

O Empoderamento como Fenômeno Multifacetado

 

O empoderamento feminino pode ser definido como a capacidade da mulher de ter domínio sobre a própria vida em múltiplos aspectos, incluindo o financeiro, emocional, social, político e educacional. O conceito surgiu como uma resposta direta a um "histórico de patriarcado e machismo na sociedade, onde a mulher seguiu um padrão de inferioridade" e teve muitos de seus direitos limitados. Para a mulher moderna, o empoderamento se manifesta no dia a dia, em sua busca por realização e reconhecimento, enquanto equilibra seus "cada vez mais – diversos papéis". A capacidade de uma mulher ter autonomia sobre sua própria vida está intrinsecamente ligada ao ambiente social e político em que está inserida. O empoderamento, portanto, não é apenas um processo individual, mas um fenômeno que depende de políticas e estruturas de apoio que permitam a autonomia feminina.  

 

 

Políticas Públicas e a Força de Redes

 

A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece a inclusão de mulheres nas Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemática (STEM) como um pilar para o quinto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 5), focado em alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. Este objetivo global estabelece metas cruciais para a promoção da igualdade, como o fim de todas as formas de discriminação e violência, a eliminação de práticas nocivas como casamentos forçados, e a garantia de plena participação na vida política e econômica.  

 

No contexto brasileiro, a Secretaria Nacional de Autonomia Econômica (SENAEC) demonstra um alinhamento com essas diretrizes internacionais. A secretaria tem como foco as questões de gênero no mundo do trabalho e nas políticas de cuidado, com o objetivo de "reduzir a sobrecarga de trabalho das mulheres". A existência de programas como a estratégia "Elas Empreendem", uma coalizão intersetorial de 23 organizações governamentais e bancos que busca promover o empreendedorismo feminino, especialmente para mulheres em situação de vulnerabilidade inscritas no CadÚnico, demonstra o esforço em traduzir os princípios de empoderamento em ações concretas.  

 

A abordagem governamental atual vai além, reconhecendo a diversidade da experiência feminina. O Ministério das Mulheres criou fóruns de diálogo com grupos específicos, como mulheres pescadoras, catadoras de materiais recicláveis, e lésbicas. O objetivo é fortalecer a participação social e cidadania desses grupos na construção de políticas públicas que combatam a misoginia, a violência e o racismo. Essa abordagem, focada na autonomia econômica e de cuidado, é uma demonstração de que as políticas públicas buscam atuar nas barreiras estruturais que historicamente impedem a mulher de exercer sua agência plena, como a sobrecarga do trabalho doméstico não remunerado e a exclusão social.  

 

 

Mulheres na Economia: Entre Contradições e Protagonismo

 

O avanço da mulher na economia é um dos indicadores mais claros de seu protagonismo. Contudo, essa ascensão é marcada por contradições que revelam a persistência de desigualdades estruturais profundas.

 

O Paradoxal Cenário do Mercado de Trabalho Brasileiro

 

Apesar de as mulheres terem alcançado um nível de educação superior ao dos homens, sendo maioria no ensino superior (59,1% das matrículas em 2023) , essa conquista não se traduz em plena igualdade no mercado de trabalho. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam um cenário de disparidade salarial e de participação. Em 2022, a taxa de participação feminina na força de trabalho foi de 53,3%, significativamente inferior à taxa masculina de 73,2%.  

 

A desigualdade persiste em posições de liderança. Do total de cargos gerenciais, 39,3% eram ocupados por mulheres, que, mesmo com maior escolaridade, recebiam rendimentos médios 21,2% menores que os homens na mesma função. Conforme o Dieese, a diferença pode chegar a R$3.328,00 mensais em cargos de direção.  

 

A razão para essa disparidade não se limita à qualificação. O problema é descrito como "estrutural e cíclico", com a discriminação de gênero e o preconceito de empresas em relação a mulheres que têm filhos sendo fatores importantes. Adicionalmente, a responsabilidade desproporcional pelas tarefas domésticas, que consome o dobro de horas semanais das mulheres em comparação aos homens , limita o tempo e a energia que elas podem dedicar a suas carreiras, restringindo sua ascensão profissional.  

 

 

A Força do Empreendedorismo Feminino

 

Apesar das barreiras no mercado de trabalho formal, o empreendedorismo feminino tem se mostrado uma via poderosa para a autonomia e realização da mulher. De acordo com um levantamento do Sebrae, o número de mulheres empreendedoras no Brasil atingiu a marca de 10,3 milhões em 2022, com o número de empresárias que geram empregos crescendo 30% entre 2021 e 2022.  

 

O dinamismo desse movimento é visível em estudos de caso regionais. No Rio de Janeiro, a Junta Comercial (Jucerja) registrou mais de 117.967 novos negócios liderados por mulheres de 2022 a maio de 2025, com 45% do total de novas empresas no estado sendo abertas por elas nos primeiros meses de 2025. A presença feminina é majoritária em alguns setores, como a indústria fluminense, onde 52,9% das empresas têm mulheres como sócias.  

 

A ascensão do empreendedorismo feminino, embora um sinal de protagonismo e inovação, também serve como um barômetro das falhas do mercado de trabalho tradicional. Para muitas, empreender não é uma escolha de carreira, mas uma resposta a desafios profissionais e a necessidade de flexibilidade para conciliar o trabalho com o cuidado da família. O fato de que nove em cada dez empreendedoras ainda gerenciam seus negócios sozinhas demonstra que, mesmo em busca de autonomia, as mulheres frequentemente operam fora de estruturas que ainda resistem à sua plena inclusão.  

 

 

Mulheres na Liderança e na Política

 

O avanço das mulheres em posições de poder e influência é um dos indicativos mais claros do empoderamento feminino. Contudo, a trajetória até o topo é frequentemente mais árdua, marcada por barreiras estruturais e preconceitos enraizados.

 

Do Teto de Vidro ao "Degrau Quebrado

 

A presença feminina na gestão empresarial tem crescido significativamente, especialmente em empresas de capital aberto, onde a participação em conselhos de administração saltou de 5,7% em 2011 para 25,5% em 2022. No entanto, o progresso não se distribui de forma homogênea. Apenas 13,9% das direções gerais são ocupadas por mulheres, e a verdadeira paridade de gênero "ainda está distante". A ascensão de mulheres para posições de liderança é frequentemente impulsionada por políticas de diversidade e pressões legislativas, o que indica que a mudança é, em parte, uma resposta estratégica das corporações.  

 

Apesar desses avanços, persistem desafios conceituais e práticos. Um dos obstáculos mais notórios é o "degrau quebrado", que se refere à dificuldade que as mulheres enfrentam para serem promovidas para o primeiro cargo de gestão, uma barreira que impede sua progressão futura. A desigualdade salarial, a necessidade de equilibrar responsabilidades profissionais e pessoais, e o preconceito de gênero também são fatores que limitam o protagonismo feminino em cargos de poder. A baixa representatividade nas direções gerais sugere que a questão não se restringe à contratação, mas à cultura interna de promoção e retenção. A desigualdade persiste nas estruturas de poder mais profundas e menos visíveis.  

 

 

Figuras que Inspiram: Líderes e Referências para a Mulher Moderna

 

A história, tanto no Brasil quanto no mundo, é rica em exemplos de mulheres que desafiaram o status quo e se tornaram ícones de empoderamento em diversas áreas, servindo como inspiração para a mulher moderna. No mundo dos negócios, Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, liderou a transformação da empresa em uma das maiores varejistas do país. Seu reconhecimento global pela revista  

 

Time como uma das 100 mulheres mais influentes do mundo ressalta o poder da liderança inovadora.

No cenário político internacional, nomes como Angela Merkel, Margaret Thatcher e Jacinda Ardern demonstram o crescente espaço da mulher em posições de chefe de Estado e de governo. Margaret Thatcher, a primeira mulher a ser chefe de governo britânico, e Angela Merkel, que por anos foi considerada a mulher mais poderosa do mundo, são exemplos de resiliência e força em ambientes historicamente dominados por homens. No Brasil, a ex-presidente Dilma Rousseff fez história ao ser a primeira mulher a ocupar a presidência da maior economia da América Latina. Além da política institucional, figuras como a ativista Rosa Parks, que se tornou um símbolo da luta pelo fim da segregação racial , e Maria da Penha, que transformou sua dor em uma legislação de proteção, demonstram que a liderança feminina se manifesta em múltiplas frentes.  

 

No esporte e na cultura, o protagonismo feminino também é evidente. A futebolista Marta Vieira da Silva, eleita a melhor do mundo cinco vezes, e a cantora Anitta, que utiliza sua arte para difundir o empoderamento feminino, são exemplos contemporâneos que mostram o poder de querer e a importância da perseverança e do foco. Essas líderes, tanto históricas quanto contemporâneas, não apenas celebram o sucesso individual, mas também revelam a força necessária para navegar em ambientes que historicamente as excluíram.  

 

 

Conclusão e Perspectivas Futuras

 

 

A Força Transformadora da Mulher Moderna

 

A análise apresentada neste relatório demonstra que a importância da mulher na sociedade é inegável e multifacetada, resultado de uma longa e árdua jornada de lutas por direitos e reconhecimento. As conquistas em áreas como educação, onde as mulheres são maioria no ensino superior, e empreendedorismo, onde lideram milhões de negócios, são testemunhos de sua capacidade e protagonismo.

Contudo, o progresso é contraditório e não linear. Apesar dos avanços, persistem desigualdades estruturais profundas no mercado de trabalho, com a disparidade salarial e a baixa representatividade em cargos de alta liderança servindo como evidências de um problema sistêmico. O chamado "duplo turno" de trabalho, que inclui a sobrecarga de atividades domésticas e de cuidado, continua a ser uma barreira invisível que limita o potencial de ascensão feminina. A mulher moderna, em sua busca por realização, ainda se equilibra entre esses diversos papéis, muitas vezes assumindo um fardo desproporcional.

 

O Caminho a Seguir: Políticas e Consciência Coletiva

 

A superação das desigualdades remanescentes exige uma abordagem em várias frentes, que combine ações políticas, mudanças corporativas e uma nova consciência social. Para o setor público, o caminho a seguir passa pelo fortalecimento de políticas que promovam a autonomia econômica das mulheres e reduzam a sobrecarga do trabalho de cuidado, conforme preconizado pela Secretaria Nacional de Autonomia Econômica e Cuidados. A legislação que garante a igualdade salarial e de oportunidades precisa ser reforçada e aplicada com rigor.  

 

No setor privado, é imperativo que as empresas adotem políticas de diversidade e inclusão que vão além da superficialidade, abordando de fato o "degrau quebrado" e o preconceito de gênero que impede a ascensão de mulheres a posições de liderança. O ambiente corporativo deve ser um espaço de valorização da competência e da preparação, e não de reprodução de estereótipos.  

 

 

Por fim, a sociedade deve reconhecer a importância fundamental da mulher e a urgência de uma responsabilidade compartilhada no lar e na família, conforme as diretrizes da ONU. Ações de conscientização desde a infância, que ensinem a equidade de gênero, são cruciais para que essa se torne um movimento "inato e natural", construindo um futuro onde a igualdade não seja apenas uma aspiração, mas uma realidade em todas as esferas da vida. A força da mulher moderna não é apenas um sinal de progresso, mas a força propulsora para a construção de uma sociedade mais justa, equitativa e próspera para todos.